sábado, 6 de fevereiro de 2010

PSICOTERÁPICO

PSICOTERÁPICO
Valdemilson Liberato

    Por mais esforços que se tenham empreendido durante décadas na compreensão do comportamento humano e suas vicissitudes, visando uma prática mais eficaz na técnica psicoterapêutica, fica claro que ainda estamos “engatinhando” diante da complexidade desse entendimento e suas práxis.
    A princípio acreditamos que, para falar sobre qualquer possibilidade de se empreender uma ajuda psicoterapêutica ao “homem perdido de si”, vagando em uma existência inautêntica, torna-se imprescindível que o ajudador esteja, ele mesmo, ciente de quem ele é e de suas possibilidades. Segundo o filósofo Heidegger (1989) não se deverá, nessa ajuda, se deter na busca de instâncias intrapsíquicas, mais sim no “cuidado”, sabendo-se “ser-no-mundo-com-o-outro”, para não cair em interpretações apriorísticas ou explicações causais sobre a realidade existencial do paciente. Se há alguma interpretação, ela deve ser fruto da elaboração temática de uma existência que se explicita enquanto projeto. Nisto consiste a possibilidade do psicoterapeuta, através da hermenêutica, facilitar que o indivíduo remeta-se a si mesmo, estimulando-o a reconhecer suas escolhas, sejam impessoais, sejam pessoais e a questionar-se no sentido de apropriar-se de suas questões. Assim sendo, o objetivo da psicoterapia não é enquadrar o paciente em padrões morais ou em modelos teóricos, mas buscar compreender as possibilidades singulares de existir de cada um, tal como ele as experimenta em suas relações com as pessoas e coisas que lhe vêm ao encontro no mundo. Para isto, torna-se imprescindível estar ciente do caráter originariamente de abertura do homem sempre em correspondência com o horizonte histórico de sentido do ser. Tendo isso em mente o psicoterapeuta busca fazer com que o homem se revele no que ele tem de único, de particular, para que ele possa encontrar o seu caminho, se responsabilizar por suas escolhas. A partir do momento que ele sabe quem ele é, ele demonstra quem ele quer ser.
    Heidegger, nos diálogos com Medard Boss, em Seminários de Zollikon, (2001) fala sobre as peculiaridades do lugar do “querer-ajudar médico”, como sendo aquele que: “deve-se ser útil no sentido daquilo que cura, isto é, como aquilo que conduz o homem a si mesmo”
Diz ele:

(...) o homem é essencialmente necessitado de ajuda, por estar sempre em perigo de se perder, de não conseguir lidar consigo. Este perigo é ligado à liberdade do homem. Toda questão do poder-ser-doente está ligada a imperfeição de sua essência. Toda doença é uma perda da liberdade, uma limitação da possibilidade de viver.(Id, p.180)

    Contudo, o homem não pode “achar-se”, estando enfraquecido da consciência de quem ele é. Bombardeado pelas solicitações do mundo, este, condenado pela liberdade de suas escolhas, sente-se esmagado pelo peso da responsabilidade das conseqüências dessas escolhas. Com isso, usa de verdadeiras estratégias existenciais no decorrer do tempo, para se isentar dessa insuportável responsabilidade, já que não há garantias dos “acertos” de suas decisões. É neste sentido que vai buscar na impessoalidade apoio para as suas escolhas. Assim sendo, dentro das possibilidades que se lhe apresenta, busca desesperadamente o esquecimento da real condição de sua vulnerabilidade, deixando-se levar pelo “falatório”, tenta transformar em realidade o que é da ordem do imaginário. Não tendo como escapar da ambigüidade desse paradoxo, o homem, lançado no mundo, diante da angústia de ter que escolher e na incerteza das conseqüências desse ato, desespera-se. Kierkegaard vai caracterizar esta situação de “doença do espírito”, onde o ser vai perdendo gradativamente a consciência de seu Eu verdadeiro, assumindo-se, pelo apelo da massificação.
    Cabe então ao psicoterapeuta, na delicada pretensão de ajudar o outro, partir ao encontro deste onde ele estiver, ouvindo com extrema atenção seus anseios e medos, observando o seu modo de agir frente às situações que se lhe apresentam cotidianamente, propiciando-lhe a possibilidade de refletir sobre sua atual situação frente ao mundo, a ele mesmo e a Deus. Levando-o a uma percepção de si mesmo, possibilitando ver-se engendrado no impessoal, envolto a uma generalização, ao incógnito, e juntamente com ele ir desvelando gradativamente a sua singularidade, o seu Eu autêntico (zoé), o homem espiritual, e para que isso ocorra é necessário a morte do homem natural: o “eu-no-mundo” - (psyché), o “eu-para-morte”. No entanto, isto, segundo as Escrituras Sagradas, só poderá ocorrer na metanóia - substituição da razão do mundo pela fé em Cristo Jesus – para Deus.

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