sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O DESEJO DO "PARA-SI" CONTEMPORÂNEO

O DESEJO DO "PARA-SI" CONTEMPORÂNEO
Valdemilson Liberato

    O homem na atualidade apresenta-se por um projeto de ser que, na sua aparência, parece anunciar, pelos sintomas de um tempo em que não se encontra sentido e não se apresentam contornos, um modo de viver irresponsável no trato com o outro, com o mundo e consigo mesmo.
    Nesta época que se apresenta na historicidade do homem como pós-moderna, os grandes esquemas explicativos caíram em descrédito e não há mais “garantias”, nem mesmo a “ciência” pode ser considerada a fonte da verdade. Esta é a época onde a distinção entre sujeito e objeto cedeu, na maior parte do mundo, ao de consumidor e objeto de consumo. O homem pós-moderno exacerbou-se na insatisfação de ser "Para-si" e busca desesperadamente, no ter, o que lhe falta – o "Em-si".
    O homem contemporâneo parece estar se distanciando demasiadamente de si pela impessoalidade, paradoxalmente, a medida que o mundo à sua volta o reflete, em seus apelos pela posse, ou seja, no desejo de ter para poder ser. Assim, o existir do "Para-si", na contemporaneidade, se aprofunda na impossibilidade de se apartar das viscosidades do querer ser pelo possuir, ou seja, “ser o fim próprio da existência do objeto. Sartre afirma que o homem nada mais é do que o seu projeto, e sendo assim, nesta época, ter, mais do que nunca, se mostra como “essência” para ser.
    Sartre salienta que, não importando a época, o projeto original do "Para-si" é sempre ser "Em-si". Como liberdade, condição inicial de sua ação para o modo de fazer-se, não se pode ser simplesmente, lhe cabe essa obrigação. O "Para-si", com efeito, é consciência, mas também e mais profundamente, liberdade. A liberdade presume possibilidades, e a possibilidade é o elemento gerador da ação do homem em liberdade. Por ser um contingente da existência humana a liberdade implica na impossibilidade da não escolha. Essas possibilidades que exigem escolhas (até mesmo a de não escolher), proporcionam o surgimento da angústia, seja porque estão escassas, ou, no outro extremo, porque existe um número muito grande de opções, ou ainda, por simplesmente existir escolhas, já que existir é escolher. Assim sendo, um colapso pode ocorrer tanto por muitas, quanto por poucas possibilidades abertas ao homem. Por isso, torna-se um verdadeiro problema de vida descobrir quais são as ações que se devem tomar, diante do temor da responsabilidade e pelas conseqüências destas ações.
    Na incerteza de suas escolhas, o homem, na construção de sua história, nunca esteve totalmente passivo diante das possibilidades que o mundo lhe apresenta. Contudo, na liberdade do ser, o ser-no-mundo, e assim, co-participante no que lhe traz possibilidades, buscou criar na “fantasia de ser”, as suas próprias possibilidades para, de certa forma, manter sob controle a angústia de ser liberdade. Uma dessas escolhas é, exatamente, não ser o que se é. É no cotidiano, imerso nas preocupações do dia-a-dia, que podemos nos negar a liberdade pela "má-fé".
    Existir é ser no mundo. E é na construção dialética desse mundo que o "Para-si" se esforça para realizar a impossibilidade de ser "Para-si-Em-si". Assim, podemos ver, no decurso do tempo, as variações particulares do modo de existir relacionadas às possibilidades que cada tempo disponibilizou, e as escolhas existenciais feitas.
    De certo modo, a existência na Antiguidade pode ser caracterizada como a época da poesia; A Idade Média como sendo a época da credulidade; A Modernidade, como a época do conhecimento e do desejo de liberdade preconizada pela rebeldia e rejeição contra quase tudo o que se acreditava, e de todos os valores constituído. Por fim surge a existência de hoje, a Pós-modernidade, que segundo Zajdsznajder (1992):
"O pós-moderno não tem a pretensão de transformar o mundo nem se apresenta como ideologia ou um modo de pensar. Parece mais uma condição a que se chegou quando o mundo moderno atinge o seu limite e começa a desaparecer". (1992,p.190)
    Podemos então concluir que enquanto a modernidade se caracterizou pela "morte de Deus", a pós-modernidade começou com o decreto da "morte do homem". A tragédia da condição pós-moderna é potencializada na busca desesperada da felicidade pela satisfação imediata dos desejos de posse dos objetos do mundo. Visto que o homem por ser um ser que só existe projetando-se a si próprio além do presente, a satisfação de um desejo imediato será sempre substituido por outro desejo e assim conseqüentemente.
    Seguindo a lógica da premissa que Deus não existe, a busca da felicidade sempre fracassará como objetivo último, visto que não havendo nenhum sentido prévio para existência, o “Para-si” deverá sempre se esforçar para construir, a partir de sua existência, a essência dos sentidos para sua vida e isto torna-se insuportável pois lhe revela o próprio despropósito da existência sem Deus. Desta forma, mesmo que o homem conseguisse satisfazer todos os seus desejos particulares ele não alcançaria a felicidade, já que um estado de completa satisfação dos desejos seria equivalente à morte. Segundo Sartre, o desejo de ser feliz através da posse dos objetos empíricos do mundo, caracteristica marcante do homem contemporâneo, está sempre pendente e é simplesmente uma particularização do desejo mais geral, do impossível – "ser-Deus".