quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Algumas considerações sobre Kierkegaard

    Sören Aabye Kierkegaard, considerado como o pai do existencialismo, nasceu a 5 de maio de 1813 em Copenhague. Apesar das tendências anti-sociais que demonstrava devido à criação tenebrosa, marcada pela severidade religiosa que o seu pai o submetera, formou-se em 1840 no curso de Teologia, na Universidade de Copenhague. Entre seus primeiros escritos mais famosos, estão "Temor e Tremor", "A Repetição". Sua obra mais importante foi Enten-Eller (Ou Isto ou Aquilo) dedicada a sua ex-noiva Regina.
    A teologia de Kierkegaard arremeteu-se contra todas as instituições sistemáticas de pensamento e contra todos os sistemas de pensamento. Acreditava que o homem, perdido no discurso do progresso mecânico se encontra desesperado. Sua única esperança encontra-se na compreensão da própria existência, que é a única realidade finita. Contudo essa compreensão só se dá pela fé.
    Em outubro de 1855, Kierkegaard sofreu uma queda na rua e foi hospitalizado, com paralisia nas pernas. Recusou-se a receber assistência religiosa e faleceu quarenta dias depois.
    Kierkegaard nos lembra que nossa maior dificuldade não está por termos um “Eu” e não ficarmos leais a ele, mas que freqüentemente nós nem ao menos achamos em nós mesmos um “Eu” autêntico que mereça tal lealdade. Podemos perder o “Eu” e voltar-nos para atividades exteriores como uma camuflagem de nosso vazio interior.
 Em suas reflexões pautadas na dialética, acredita que o homem, escolhe sua própria forma de existir e sendo assim vai distinguir três modos fundamentais de viver do homem no mundo no caminhar ao transcendente, a qual denominou de "Stadium". São estes: o estético, o ético e o religioso:
- Modo de vida estético. O esteticista vive no instante e não conhece outro fim da vida senão gozar o instante que passa. Infiel, quer sempre provar novidades, foge permanentemente ao tédio, recusa engajar-se, são os Don Juans ou o intelectual cético e diletante. O tipo de vida estético não proporciona realização àquele que lhe dedica a vida.  Kierkegaard percebeu que neste estágio de vida os objetivos não são claros e se perdem por não haver satisfação. 
- Modo de vida moral ou ético.  No modo de vida moral ou ético o homem encarna as regras universais do dever. Trabalhador consciencioso, marido e pai devotado, leva tudo a sério, é pouco flexível, prisioneiro de idéias acabadas, e se crê cidadão exemplar. Este modo de vida é marcado essencialmente, por uma vida coerente governada por normas morais.
- Modo religioso. No modo de vida religioso o homem não está submetido a regras gerais, mas é um indivíduo diante de Deus. Sua relação com Deus não se traduz em conceitos e regras gerais, mas em inspiração fora do universo da razão humana.     
    Kierkegaard entendia que os estágios estéticos e éticos não podiam existir sem o estágio religioso.  Em outras palavras, o religioso estava presente tanto no estético quanto no ético. Deste modo, o religioso – o crente (o verdadeiro cristão) e não o crédulo (a cristandade) - é um estágio conseqüente, pois é a partir da desordem dos estágios inferiores que se tem a possibilidade de encontrar a realidade superior da vida religiosa. Contudo, requer-se por ela uma decisão. Esta é a decisão que o Ser em busca de si precisa compreender para encontrar-se.
    Ele afirmava que o homem vive na ilusão de ser o que de fato não é. Com isso, distanciado do que é, angustia-se, torna-se queixoso da falta de liberdade, como que cativo na plena liberdade de ser e sem o conhecimento de si mesmo na liberdade de ser, desespera-se. Assim sendo podemos compreender que quem desespera quer, no seu desespero ser ele mesmo.
    Este homem ao ser no mundo, perde-se em sua existência puramente exterior e esquece do Ser em si mesmo. Ao escolher por não ser, torna-se outro no mundo. Assim sendo, inautêntico, procura ser feliz através da ilusão da temporalidade. Busca nas coisas momentâneas o motivo de sua existência. Contudo, mesmo quando imerso na inconsciência do que lhe é mais próprio, sente que algo lhe falta. Um sentimento de vazio o incomoda, como se a insatisfação do não ter o condenasse a uma maldição eterna da busca do ter para ser. E assim, por mais que conquiste os seus “sonhos”, sempre restará a impressão em sua alma da incompletude.
    Para Kierkegaard estar inconsciente ou não aceitar que se tem um Eu, ou seja, o ser um Ser espiritual, ou até mesmo na incapacidade de querer ser, é não compreender quem se é de fato. Pois, para ele, o homem é uma síntese de finito e infinito. De sua relação consigo mesma e com Deus. E é exatamente da discordância interna dessa síntese consigo própria e em relação a Deus, que surge o “desespero humano”.(2003, p.34)
    Para o apóstolo Paulo (I Co.15,45) como para a tradição bíblica a psyché (alma) é o princípio vital que anima o corpo humano, ou seja, a vida natural. Criada pela junção do espírito (pneuma) ao corpo (soma), formando assim o “Eu” – (zoé), o “eu do homem para Deus”, o eu infinito, o Kierkegaard chama de “eu teológico” (Id., p.75) que em sua origem, passa a ser a sede da vida moral e dos sentimentos. Contudo, como resultado da desobediência à Deus, afastado do que lhe e mais próprio, tornou-se o “eu” derivado do pecado: o “eu humano” (psyché), sede de todas as paixões humanas e sucumbido aos anseios do mundo. 
    No princípio, pela doutrina do pecado original, Paulo, baseado nas Escrituras, descreve que o pecado passou a habitar o homem, e assim, a morte, conseqüência do pecado, entrou no mundo a partir da falta de Adão. O pecado separou o homem de Deus. Esta separação é a morte espiritual da qual a morte física é apenas um sinal. Nasce assim o “eu-para-morte”. A psyché, desta maneira, torna-se a sede do eu perdido, o eu inautêntico, o eu do ser-para-a-morte. E é, paradoxalmente, a partir do confronto com a morte que o ser, abre-se à possibilidade para o existir autêntico. É exatamente pela possibilidade do não-ser que a morte nos abre, revelando nossa finitude, que descobrimos as possibilidades do ser.
GRAÇA E PAZ.
Valdemilson Liberato