sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A Graça da Lei

A GRAÇA DA LEI
Há poucos dias, fui questionado sobre as bases doutrinárias que sustentam a minha fé em Cristo Jesus. Este fato suscitou-me o desejo de também questionar, não sobre estas bases, mas de como elas estão sendo entendidas e divulgadas ao povo, já que este é o sentido mais próprio de nossa comissão: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado (...)” (Mt 28.19,20).
No Evangelho de João, nos capítulos 14 e 16, Jesus, ao comunicar sobre a necessidade de Sua ausência física no mundo, conforta os discípulos prometendo outro parákletos, - o Espírito da Verdade (Jo 16.13) - para que eles, na Sua falta, não derivassem da sã doutrina. Contudo, sabemos que, apesar de todo o esforço apostólico, os Ensinamentos de Jesus foram gradativamente, no passar dos séculos, contaminados pelos desejos e costumes do homem sem Deus.
O Verbo encarnou, não para trazer uma nova religião, mas com o propósito de restaurar e manter, na pureza dos Ensinamentos, o cumprimento da Lei, cuja essência é o amor de Deus pelo homem. Ele veio para fazer discípulos, restaurando vida ao homem através da obediência e comunhão com Deus.
Por várias vezes Jesus repreendeu os religiosos da Sua época, principalmente os fariseus, pelo rigor e pelo extremismo religioso no cumprimento da Lei, que, pelos seus acréscimos, pervertiam a Palavra do Senhor.
Deus nos revelou os Seus mandamentos para serem aprendidos e colocados em prática na sua íntegra, não devendo, em nada, ser acrescidos ou diminuídos.
Jesus ratifica a Lei, dizendo:

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus. (Mt 5.17-20).

Porém, como está descrito no texto, só Jesus, pelo Seu amor, seria capaz de cumprir a Lei integralmente. No cumprimento da Lei, Jesus, por não ter pecado, torna-se o sacrifício perfeito. Através do Seu sangue derramado, todo aquele que nele crê está justificado, remido, e pela fé passa a ter acesso ao Caminho, a Verdade e a Vida. Sendo assim, torna-se evidente que não é a Lei que nos salva da perdição, como alguns legalistas defendem, mas a fé em Cristo, e isto é Graça.
O apóstolo Paulo, em sua epístola aos romanos, explica que todos os homens são pecadores e necessitam da justificação pela fé em Jesus Cristo:

(...), pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. (Rm 3.23-26)

Gloria a Deus por isto! Mas, pergunto eu: se estamos na Graça e é pela fé que somos justificados, a Lei se torna irrelevante? Claro que não! Pois é exatamente pela fé em Cristo que podemos, pela Graça, obedecer aos Ensinamentos de Deus descrito na Lei. Jesus não veio abolir os Mandamentos, mas trazer um nível superior de entendimento da Lei que se expressa no modo de vida daquele que tem fé. Paulo escreve: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei” (Rm 3.31).
Sabemos que o “segundo Adão” veio para revivificar o espírito obscurecido pelos desejos da alma, restaurando a identidade do homem perdido na impessoalidade do mundo pelo pecado original, longe do que lhe é mais próprio, ou seja, de Deus (Gn 1.27). No entanto, este homem, mergulhado no desespero da sua existência sem Deus, descrente, refugiou-se na dinâmica do cotidiano e na estagnação da religiosidade, como tentativa, fadada ao fracasso, de encontrar uma identidade que justifique a futilidade de sua vida e o mantenha confortável.
Observamos nas Escrituras que, após a ascensão de Jesus, os combates doutrinários para restaurar a identidade do homem perdido na escolha do pecado continuaram a ser travado pelos seus Apóstolos até a morte de seu último integrante, João, aproximadamente no ano 100 d.C.. Na verdade, a primeira geração dos cristãos, embora formada essencialmente por judeus, já sofria os assédios de doutrinas estranhas aos ensinos de Jesus, principalmente o gnosticismo. Entretanto, foi só após a destruição de Jerusalém, no ano 70, que a igreja perseguida, agora formada na sua maioria por gentios, enfraqueceu suas defesas doutrinárias, não resistindo ao enxerto do paganismo. Aparecem então no seio da igreja as primeiras heresias e seitas, tais como os ebionitas e maniqueus. Com a institucionalização da igreja por Roma, na sua adoção no ano 380 d.C., os costumes e cerimônias do paganismo foram gradativamente infiltrando-se nos cultos de adoração. A doutrina judaica cristã foi substituída pela doutrina romana e as imagens de santos e mártires começaram a aparecer nos templos; as antigas festas pagãs foram aceitas na igreja com nomes diferentes; surge o conceito do purgatório; a ceia do Senhor transforma-se em sacrifício no lugar de uma recordação; a adoração à virgem Maria substitui a adoração das deusas Vênus e Diana; a humildade e santidade da igreja primitiva são substituídas pela arrogância, vaidade e ambição de seus membros, e a fé passa a ser propriedade apenas do intelecto.
Em sua despedida, Paulo alerta a igreja em Éfeso:

Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu guardiões, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles (At 20.28-30).

O fato é que o que Paulo previa aconteceu. E assim como o homem sem Deus, corrompido pelo fascínio do mundo, a igreja perde a sua identidade. Passa a ter uma doutrina mesclada pelo paganismo e pelo desejo do poder humano. Apesar disto, Deus sempre guardou um remanescente do seu povo, aqueles que permanecem fiéis à Palavra e não dobram seus joelhos à Baal.
Já no final da Idade Média, surgiram vários movimentos reformistas que, em defesa da fé, lutaram bravamente para preservar a sã doutrina. Contudo não conseguiram restaurar a unidade da igreja, mas apenas reformaram os padrões doutrinários do cristianismo romano. Foi assim que no ano de 1517, na Alemanha, o monge e teólogo Martinho Lutero, indignado com o rumo que a igreja tinha tomado, principalmente pela venda de indulgências, afixou na porta da Catedral de Wittenberg noventa e cinco teses como protesto a este absurdo religioso da Igreja de Roma. A partir daí, a igreja que já se tinha dividido pelo grande Cisma do Oriente no século XI em católica e ortodoxa, agora, embasada nos conceitos reformistas, pulveriza-se em várias denominações protestantes, chegando até aos nossos dias.
Segundo a edição de 2001 da World Christian Encyclopedia existe 33.830 denominações cristãs no mundo e este número cresce anualmente numa velocidade impressionante. Mas o que faz com que este fenômeno ocorra? Por que a igreja, em vez de ser unidade, um só corpo, cada vez mais se divide? Podemos supor que a concepção teológica iluminista da liberdade do homem pela Graça sem Lei propiciou a permissividade do homem sem lei, longe da fé pela Graça? Até onde essa permissividade, que divide a igreja, vai parar? Alguns justificam essas divisões como sendo uma estratégia para alcançar todos os níveis de concepções do pensamento humano; um modo de o Evangelho se adaptar, se amoldar às dissensões destes pensamentos para obter sucesso, ser eficaz no ingênuo argumento que alguns chamam de “multiplicidade da unidade”.
Será que este é o mesmo Evangelho que formam discípulos de Cristo e que diz:

(...) Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá, mas o que perder a sua vida por causa de mim, a encontrará (Mt 16. 24-25).

Jesus orando, rogou ao Pai pelos seus discípulos, dizendo:

Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E, por eles a mim mesmo me santifico para que sejam santificados na verdade. Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim; a fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo creia que tu me enviaste e os amastes como amaste a mim (Jo 17.18-23).

Uma das maiores preocupações do Apóstolo Paulo foi exatamente manter a unidade da igreja, ameaçada pelo partidarismo humano, movido pelo ciúme e contendas: “Quando, pois alguém diz: Eu sou de Paulo, e outro: Eu de Apolo, não é evidente que andais segundo os homens?” (1Co 3.4).

O apóstolo declara:

Ninguém pode por outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. Contudo, se alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; o qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará (1Co 3.11-13).

Certa feita Jesus admoestou os fariseus que, envoltos em sua religiosidade, abandonaram os mandamentos de Deus para se apegar à tradição dos homens: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Vão é o culto que me prestam, pois o que ensinam, não são mais que preceitos humanos” (Mc 7.6-7).
Que o Senhor, na Sua imensa misericórdia, continue levantando homens para combater o bom combate pela fé, capacitando-os pelo Espírito da Verdade a formar verdadeiros discípulos de Jesus, cumpridores da Lei, restaurando, pelo Amor expresso na Graça, a unidade da igreja em Cristo, para honra e glória do Seu Nome.
Amém.




Valdemilson Liberato Pinto
Rio de Janeiro, 04/10/2009

















Referências bibliográficas:

BÍBILA de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. Paulus, São Paulo, 2002.
HURLBUT, Jesse L. História da Igreja Cristã. Editora Vida, São Paulo 2002.

2 comentários:

  1. Meu querido professor Liberato: Sábias são as sua palavras: Entendemos a Lei, o Decálago; suas implicações e consequências, como a vontade soberana do Senhor para todo seu Povo. E agora como podemos estar limpos diante do Senhor da Glória? Conhecíamos a Palavra de Deus, de uma certa forma, mas não conhecíamos o próprio Deus. Conhecíamos a Lei, mas não conhecíamos seu Legislador e Autor. Dia desses ela (a Lei) plantou por sobre nossos ombros sua mão pesada. Foi aí que o mesmo Deus que ora outorgara o objeto disciplinador jã tinha estabelecido o Livramento. Nos vimos nus diante do Criador e como Adão lamentamos nossos êrros e desobediências, e como ele quisemos justificá-los ! Sinceramente creio ter Adão se arrependido na hora (porque o Senhor havia lhe ordenado algo aparentemente simples e êle desconheceu a relação causa e efeito, pecou raciocinando !) Em meio caminho andando na história da humanidade lemos nas Escrituras: "Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia e dizia: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus." Mat 3:1,2 Batista estava no Azeite, creio ele mesmo ter experimentado o arrependimento que pregava. Jesus usou a mesma condição e assim nos apresentou pessoalmento a grandeza do Reino de Deus próximo. Adão foi excluído do Édem, e nós fomos covidados a Vida eterna, porque nos arrependemos ! Glóra a Deus !

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  2. Errata: no comentário anterior onde lê-se "em meio caminho andando" lei-se agora "em meio caminho andado

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