A HOMOSSEXUALIDADE SOB UMA PERSPECTIVA
NEUROPSICOLÓGICA
Resumo do Trabalho de Pós-graduação, como requisito parcial à conclusão do Curso de Especialização em Neuropsicologia.
Por: Valdemilson Liberato
Por: Valdemilson Liberato
RESUMO
O presente trabalho tem como principal objetivo abordar o tema
da homossexualidade sob uma perspectiva neuropsicológica. Um esforço para
apresentar e estimular a exploração de novas possibilidades de pesquisa nesta
área, visando a um olhar mais independente sobre a complexidade das questões
que envolvem a orientação sexual do ser humano e suas consequências
psicossociais.
Alguns estudos recentes indicam que a orientação sexual tem uma
grande influência genética/biológica, sendo provavelmente determinada antes
ou pouco depois do nascimento; outras contestam tais afirmativas e defendem a
primazia dos fatores ambientais sobre o individuo. Embora tais estudos não
sejam conclusivos, parece-nos desde já no mínimo irresponsável defender que a
homossexualidade seja mera questão de escolha.
Se o ser humano descobre a sua sexualidade como processo de
crescimento, podemos então supor que a única escolha que lhe está reservada
quanto a isto é entre viver a vida de acordo com uma provável “predisposição
psicobiológica”, ou segundo o que a sociedade espera dele.
Admitir a homossexualidade como mero caso de livre escolha é desconhecer
as motivações que impelem homens e mulheres a buscarem em desespero a ajuda
psicoterápica nos consultórios de Psicologia, ante a própria orientação sexual;
sendo desarrazoado considerar que escolham deliberadamente algo que os deixa
expostos à dolorosa rejeição familiar e social.
Sempre que pensamos em Ciência tendemos a considerá-la
creditando-lhe valores de pureza e legitimidade a que se vinculam a expansão e
o aprofundamento do saber, de modo que, na busca da verdade sobre todas as
questões que envolvem a existência humana, os parâmetros norteadores da
liberdade e da imparcialidade científicas sejam inegáveis para o progresso e
bem-estar da humanidade.
Contudo, as pesquisas científicas e, em especial, a divulgação
de seus resultados sofrem a incidência ideológica de poderes culturais,
políticos, econômicos, sociais e religiosos coexistentes, convertendo-se em
sistemas institucionalizados de orientação da consciência humana.
No âmbito das ciências médicas e psicológicas não seria
diferente. Vemos, por exemplo, vestígios dessa influência nas mudanças
taxonômicas dos transtornos mentais e do comportamento humano no passar dos
anos. Admitir que algumas das mudanças ocorridas não sejam resultado exclusivo das
descobertas oriundas de rigorosos estudos, de pesquisas formais exaustivas e
comprovações científicas de alta qualidade – como muitos poderão afirmar – mas,
principalmente, de variantes do subjetivismo pessoal lavrado por interesses ideológicos
em voga, parece-nos razoável.
Os parâmetros de normalidade ou anormalidade da sexualidade
humana sempre foram, por princípio, produtos do pensamento humano, carregado
dos preceitos e preconceitos filosóficos e/ou religiosos predominantes na cultura
de cada povo, em determinado local e tempo. Podemos exemplificar como origem e expansão
das bases de um desses “determinantes de normalidade” o pensamento derivado das
religiões abraâmicas e da filosofia grega. Inseridos nos padrões éticos e valores morais vigentes nas
sociedades judaico-cristãs e Islâmicas há milhares de anos, esses conceitos foram
propagados através dos séculos e admitidos por diferentes culturas de diferentes
povos e nações espalhados pelo mundo. Até hoje, embora questionados e até
rejeitados por alguns segmentos da sociedade, os valores morais religiosos/filosóficos são
poderosas referências norteadoras para a construção da normatização dos padrões
comportamentais do homem em seu meio.
Sabemos que há bem pouco tempo a homossexualidade chegou a ser
considerada pela ciência médica e do comportamento uma doença, um desvio da
conduta sexual, uma anormalidade que reclamava a produção de um conhecimento
norteador visando a um tratamento adequado em busca da sua “cura”.
Mais recentemente, a 10ª edição da classificação de doenças –
CID 10 (OMS-1993) e a quarta edição do manual de diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais – DSM IV (APA; 1995) excluíram a homossexualidade da
classificação de doenças. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia redigiu a
resolução 001/1999, estabelecendo normas de atuação dos psicólogos com relação
à orientação sexual das pessoas. O texto considera a homossexualidade como algo
não patológico e proíbe que os psicólogos considerem seus pacientes como
portadores de doenças (CFP, 1999).
Depois disso houve um crescimento espantoso nas pesquisas
científicas para provar a hipótese de que a homossexualidade teria base
marcantemente genética. Desta forma, no "vácuo" dessas pesquisas, começou a surgir um movimento ideológico
visando criar subsídios científicos para normatizar o comportamento
homossexual, excluindo definitivamente qualquer hipótese de prática
psicoterapêutica contrária às suas convicções. Esses argumentos foram
apropriados pelo ativismo homossexual ideológico, forjando-se uma falsa premissa
dialética baseada na ciência, do tipo: se a homossexualidade não é considerada
uma doença é algo natural e, por ser natural, tem de ser aceita e não
questionada.
Contudo, como já citamos acima, por sua complexidade o estudo
sobre a sexualidade humana requer mais seriedade em sua análise, dada a
variedade das possibilidades de sua expressão e influências dos pensamentos
subjetivos que o delimitam. Uma boa definição da complexidade que envolve a
compreensão da sexualidade humana pode ser apreciada na seguinte descrição:
"A sexualidade, desejo
fundamental do ser, ocupa um lugar central em nossa condição existencial. Ela
compreende três dimensões básicas: uma biológica, uma psicológica e outra
cultural. A dimensão biológica corresponde ao impulso sexual, determinados por
processos fisiológicos, cerebrais (sistema límbico, principalmente) e
hormonais; a psicologia corresponde aos desejos eróticos subjetivos e a vida
afetiva intimamente implicada na vida sexual; finalmente, a dimensão cultural
corresponde aos padrões de desejo, comportamentos e fantasias sexuais criados e
sancionados historicamente pelas diversas sociedades e grupos social. Estas
três dimensões manifestam-se de modo geral, de forma conjunta na vida sexual". (Dalgalarrondo,
2000, p.216)
De sorte que tratar dessa complexidade através de qualquer forma
de interdito, seja por razões passionais, ideológicas, institucionais, ou por
qualquer outro instrumento político, econômico e religioso, com intenção apenas
de influenciar a opinião pública para criação de novas normatizações, é, no
mínimo, uma atitude suspeita contra a ética, a imparcialidade e a objetividade
científica.
Nos últimos vinte anos surgiram muitas pesquisas sobre esse
assunto tão polêmico, mas nenhum conclusivo. Robert Epstein (2006), por exemplo,
doutor em psicologia pela Universidade Harvard, contesta a existência de apenas
duas alternativas de orientação sexual, mas de um continuum, uma gradação de possibilidades de interesse. Por sua vez
a neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel (2006) afirma que “a
preferência sexual é determinada biologicamente e ainda no útero – o que faz da
homossexualidade uma descoberta, não uma escolha”. Já o PhD em psicologia
Willian Byne (1993) critica as teorias que postulam a preponderância dos
fatores biológicos na homossexualidade e propõem um modelo alternativo de
teoria em que as características temperamentais e de personalidade, herdadas e
influenciadas por hormônios, interagem com ambientes familiares e sociais
enquanto a sexualidade do individuo se desenvolve.
Contudo, observamos que é só a partir do conhecimento neurocientífico que vão
surgir novas possibilidades de se pensar sobre as questões que envolvem o
comportamento humano e sua sexualidade. Por exemplo, estudos nessa área comprovaram que o
sistema límbico – grupo de estrutura no qual se inclui o hipotálamo – tem
grande influência nos acontecimentos referentes à sexualidade, à agressividade
e aos padrões primitivos de sobrevivência, como a fome, a sede e o sono. Foi
constatado que o hipotálamo, dentre outras funções, é a região do cérebro, fisiologicamente
falando, responsável pela sexualidade humana. O hipotálamo fica localizado
diretamente acima da hipófise e é conhecido por exercer controle sobre esta
glândula por meio de conexões neurais e substâncias semelhantes a hormônios
chamados fatores desencadeadores (ou de liberação). Esse é o meio pelo qual o
sistema nervoso controla o comportamento sexual via sistema endócrino. Assim
sendo ele é responsável pela liberação dos feromônios, substâncias químicas que,
quando captadas por indivíduos da mesma espécie, permite o reconhecimento mútuo
e sexual entre os indivíduos.
Por outro lado, a região que comanda os movimentos da
racionalidade do pensamento é a do córtex cerebral, que está imediatamente
acima do sistema límbico. O córtex cerebral, dentre outras funções, produz e
regula atividades mentais como sensação, percepção, planejamento de estratégias
de comportamento, julgamento crítico e possui conexões diretas ou indiretas com
praticamente todas as demais estruturas do SNC, inclusive o sistema límbico. As
diferentes áreas corticais apresentam conexões e funções distintas, cuja
atividade, influenciada por estruturas subcorticais, resulta nas funções
mentais e no nosso comportamento. Dentre as conexões das diferentes áreas do
SNC o sistema límbico pode, de certa forma, influenciar nas elaborações das
estratégias realizadas pelo córtex pré-frontal e, consequentemente, podemos
supor, interferir nas respostas comportamentais do individuo com relação a sua
orientação sexual.
Sob essa perspectiva queremos propor pensarmos na
possibilidade de que desejar ou não o outro, sendo ele homem ou mulher,
independeria apenas da supremacia da “vontade”, da deliberação individual ou
mesmo de um determinismo biológico e/ou ambiental, mas, principalmente, que a
identidade ou preferência sexual do individuo, e embora admitamos serem influenciadas
por essas variantes constitutivas do ser humano, é resultante de ações e
alterações nas atividades das estruturas do SNC e suas conexões.
O cérebro é o
meio por onde essas forças atuam. Acreditamos que ele não é apenas o centro de
comando das ações, mas também o “editor” dessas ações e reações comportamentais,
resultante do desenvolvimento neuropsicossocial do homem.
(...) O comportamento sexual depende, além de fatores biológicos e
ambientais, do processo de interação entre sinais neurais e químicos
provenientes de todo o corpo, integrados pelo hipotálamo, com a participação de
outras regiões do cérebro. Assim sendo, podemos supor que o prazer inerente ao
sexo depende do conjunto de regiões que compõem o chamado sistema mesolímbico,
um sistema capaz de responder a estímulos reforçadores positivos gerando um
estado motivacional complexo que nos faz buscar e repetir comportamentos para
obter mais e mais prazer, alguma vezes por vias consideradas desviantes, visto
que a busca do prazer independe do gênero, idade ou forma do objeto do desejo.
Embora a homossexualidade como "doença mental" tenha sido banida
da Classificação Internacional de Doenças (CID) outros diagnósticos, perfeitamente aplicáveis a pessoas com problemas relacionados à sexualidade, permaneceram, visto que é impossível negar a sua existência no comportamento
humano.
É o caso dos “Transtornos de identidade sexual” (F64);
“Transtorno de preferência sexual” (F65) e os “Transtornos psicológicos e de
comportamento associados ao desenvolvimento e orientação sexual” (F66 - CID
10).
Essas classificações evidenciam que a retirada da homossexualidade como "transtorno", tanto da CID como da DSM, foi apenas uma questão política, visto que
não aboliu a avaliação psicopatológica do comportamento sexual “anormal”,
apenas mudou sua roupagem.
Uma dessas roupagens
contidas na classificação de Transtornos de preferência sexual (CID-10) são as
chamadas Parafilias (DSM-IV), que podem ser descrita quando há necessidade de
se substituir a atitude sexual convencional por qualquer outro tipo de
expressão sexual, sendo este substitutivo a preferida ou única maneira da
pessoa conseguir excitar-se. Assim sendo, nas Parafilias os meios se transformam
em fins e de maneira repetitiva, configurando um padrão de conduta rígido o
qual, na maioria das vezes, acaba por se transformar numa compulsão opressiva
que impede outras alternativas sexuais.
Algumas Parafilias
incluem possibilidades de prazer com objetos, com o sofrimento e/ou humilhação
de si próprio ou do parceiro (a), com o assédio a pessoas pré-púberes ou
inadequadas à proposta sexual. Estas fantasias ou estímulos específicos, entre
outros, seriam pré-requisitos indispensáveis para a excitação e o orgasmo.
Outras roupagens,
perfeitamente aplicáveis às pessoas não satisfeitas com suas condições de gênero e inclinação sexual, e que veste bem na homossexualidade, é o que CID-10 chama de
“Orientação sexual egodistônica” (F66.1): "A
identidade ou preferência sexual não está em dúvida, mas o individuo deseja que
isso fosse diferente por causa de transtornos psicológicos e comportamentais
associados e pode procurar tratamento para alterá-la". (CID-10, 2008; p 217)
E de “Transtorno de
relacionamento sexual” (F66.2):"A
anormalidade de identidade ou preferência sexual é responsável por dificuldades
em adquirir e manter um relacionamento com um parceiro sexual ".(CID-10, 2008; p
217)
(...) Para concluir, o que parece evidente é que não se pode negar que
determinadas condutas e comportamentos sexuais trazem sofrimentos e podem gerar
ou ser indícios de sérios transtornos psiquiátricos. Não podemos “tapar o sol
com peneira” e transformar um erro em outro para justificá-lo. A própria Organização Mundial de Saúde afirma:
"Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não
somente a ausência de doença ou enfermidade" (1946). Classificar
um comportamento como “saudável” não deve depender de parâmetros ideológicos,
mas de um compromisso com a verdade.
(...) Em paralelo a toda essa discussão, com os avanços conquistados
pela neurocirurgia, neurofisiologia e pelas técnicas de diagnóstico das
neuroimagens, a neuropsicologia surge como uma ferramenta muito importante para
clarificar a enigmática relação existente entre o funcionamento cerebral, as
atividades psicológicas e sua expressão no comportamento humano. Ela parte e reforça o pressuposto de que a relação
entre individuo e o meio se faz por intermédio do sistema nervoso central, havendo
a necessidade da preservação de condições anatômicas e funcionais interdependentes.
Luria (1981) definiu a neuropsicologia como a ciência da
organização cerebral dos processos mentais humanos, cujo objetivo específico e
peculiar seria investigar o papel dos sistemas cerebrais individuais nas formas
complexas de atividade mentais. Assim sendo, acredito não ser um absurdo pensar numa proposta, através desse novo ramo da ciência, cujo agente - o neuropsicólogo - possa atuar em pesquisas e elucidação no processo de intervenções mais apropriadas, caso necessário, na dinâmica neuropsicossocial do comportamento
apresentado por indivíduos cuja orientação sexual esteja em conflito com sua
personalidade, causando-lhe sofrimento psíquico. Desta forma, a neuropsicologia
por não se restringir a uma área apenas do conhecimento humano, pode se
desfazer das imposições restritivas que delimitam os padrões formadores de uma
nova ciência.
(...) Enquanto a psicologia moderna na sua história buscou distinção dos seus
precursores intelectuais como a filosofia e a medicina, baseando seus métodos em abordagem e
técnicas que denotam um campo de estudo próprio mas essencialmente científico, a
neuropsicologia já nasce como uma ciência que avança em direção a transdisciplinaridade, convergência de
várias ciências, propiciando um conhecimento "peneirado", ou seja, com menos "impurezas", visando elucidar a
complexidade do comportamento humano sob as variantes do funcionamento do SNC (Sistema Nervoso Central) e suas conexões.
Por esse motivo, acredito ser propício à neuropsicologia, o
estudo do comportamento que se relaciona a orientação sexual e suas
consequências "biopsicossocioculturais" de forma mais própria do saber científico, se despindo das
conceituações paradigmáticas anteriores e olhando de forma apurada para o modo
mais revelador do comportamento do homem em si mesmo e com o outro na sua existência mais própria.
(...) Por fim e de forma paradoxal, não podemos esquecer que o homem não é um simples conglomerado de células vagando no mundo. Como disse Sartre: "O homem, antes de mais nada, é um projeto que se vive subjetivamente". Desta forma, não somos aquilo que queremos ou devemos ser, mas somos o projeto que estamos vivendo e este projeto é uma escolha, influenciada por vários fatores que o constitui, mas cuja responsabilidade é apenas do próprio homem.
(...) Por fim e de forma paradoxal, não podemos esquecer que o homem não é um simples conglomerado de células vagando no mundo. Como disse Sartre: "O homem, antes de mais nada, é um projeto que se vive subjetivamente". Desta forma, não somos aquilo que queremos ou devemos ser, mas somos o projeto que estamos vivendo e este projeto é uma escolha, influenciada por vários fatores que o constitui, mas cuja responsabilidade é apenas do próprio homem.
Valdemilson Liberato Pinto
Bibliografia:
FUENTES, D., et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Ed. Artmed. São Paulo. 2008.
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